Eu não gosto da ideia de um dia para lembrar dos mortos, até porque não vejo a morte como um ponto final, mas sim como uma vírgula em uma história que atravessa planos. Para mim, o Dia de Finados sempre foi uma data estranha, quase protocolar, um lembrete público de algo tão íntimo que se torna difícil de compartilhar. Porque quem já amou de forma profunda e verdadeira, sabe que a ausência não precisa de uma data marcada: ela é a sombra silenciosa que caminha ao nosso lado todos os dias.
A morte chega sem pedir licença, interrompe conversas, apaga sorrisos e enche de ecos os cantos que um dia transbordaram de vida. É como um vento forte que nos desfolha, nos arranca pedaços e leva para longe. Mas, por mais devastadora que seja, é na falta que encontramos a força de reconhecer o que foi extraordinário. Por que, afinal, a falta é a confirmação de que algo verdadeiro existiu. Só sente o vazio quem teve a sorte de se encher de histórias, de risos compartilhados, de aprendizados que hoje moldam quem somos. E talvez, de algum modo, a pessoa que se foi continue a nos moldar, um legado invisível que pulsa em nossas decisões, em nossas conquistas. “Se você estivesse aqui, o que diria sobre isso?” é a pergunta que muitas vezes guia os passos, como uma bússola secreta.
A morte, de fato, é barulhenta em seu impacto e solitária em sua essência. Ela não chega apenas para esvaziar a cadeira ao lado; ela se instala em nossos pensamentos, se mistura à rotina, e passa a morar nos detalhes — na canção que toca de repente, no aroma de café que lembra uma manhã específica, nas palavras que ecoam nas memórias. E quando a dor dá uma trégua, surge a saudade, essa mistura agridoce de falta e gratidão.
A dor da perda nos transforma, é verdade, mas também nos lembra que estamos vivos, continuando uma jornada que, em algum lugar do caminho, nos fará encontrar de novo. Porque não acredito na morte como um fim, mas como um portal que deixa marcas profundas — marcas que nos tornam quem somos e nos acompanham até a próxima virada do destino.
Penso nos meus dois irmãos gêmeos, que se foram ainda antes de chegar ao mundo. Sinto saudade de quem nunca conheci, e essa é uma das formas mais dolorosas de amar: querer ter vivido histórias que nunca puderam ser. Lembro da expectativa doce, da alegria que compartilhávamos, eu e meus pais, aguardando a chegada deles. E também do silêncio, profundo e implacável, que tomou conta de nós quando se foram. É um silêncio que ainda ecoa, uma ausência que preenche o coração com perguntas e sonhos não realizados. Queria ter tido a chance de vê-los crescer, de partilhar risos, de ter construído uma vida com eles. E mesmo assim, na saudade que guardo, eles vivem comigo, como uma parte inacabada, mas eterna, de quem sou.
E a saudade, ah, essa se aninha no silêncio das madrugadas e nos momentos que pedem celebração. É o “queria que você estivesse aqui” que escapa baixinho, entre um suspiro e outro. É o gesto de olhar para o céu, à procura de algum sinal que nos faça acreditar que, de onde estão, os nossos amores ainda nos acompanham, torcem por nós, vibram com as nossas conquistas e choram as nossas dores.
A ausência nos ensina que algumas pessoas são tão grandes que, mesmo quando partem, ficam. Elas habitam a risada que herdamos delas, a força que nos transmitiram sem saber. A falta, que rasga o peito e faz os dias pesarem mais, é também um lembrete de que viver é continuar por nós e por eles. É honrar cada conselho, cada sonho compartilhado, cada abraço que, mesmo não podendo ser dado, ainda pode ser sentido.
E hoje, Rafael, essa é a sua homenagem. Porque a sua partida não apagou as memórias de quem você foi: homem forte e leal, parceiro de todas as horas, companheiro de jornada e amor da minha vida. Ainda ouço sua voz em dias de dúvida, sinto seu riso ecoando em momentos de alegria. Carrego o orgulho de ter caminhado ao seu lado, e quando olho para o céu, sei que a luz que vejo é a sua, me guiando. Você nunca será apenas uma lembrança, mas uma presença constante, viva, na saudade que me mantém conectada a tudo que você foi — e ainda é em mim.
Assim, a saudade é mais do que um lamento: é a forma mais poética e eterna de celebrar quem deveria estar ao nosso lado. É lembrar todos os dias, mesmo sem querer, e manter viva essa chama que, se a morte não apaga, é porque, de fato, é eterna. A saudade, meus irmãos e meu amor, é a forma mais bonita de dizer: vocês fazem falta, e sempre farão. E isso é amor na sua forma mais pura e eterna.
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