Pular para o conteúdo principal

Intransponível?

 

Quando tudo aconteceu uma pessoa me disse:

- O pior não é agora, o doloroso são aqueles pequenos momentos que ainda virão, te lembrando que ele não esta mais. 

Ontem fui ao médico e terei que fazer um exame que necessitará de acompanhante. 

Que situação dura foi perceber que ele não será meu acompanhante. Ele não estará lá mais, segurando a minha mão e me dando força. 

Eu cheguei no carro chorando, porque esses pequenos momentos me dão a sensação de estar perdendo ele de novo. 

E eu fico perguntando: quantas vezes ainda eu terei que te perder? 

Eu mentiria se dissesse que as coisas melhoram. Mas acho que a história de que ficamos fortes talvez seja verdadeira. 

Sinto que estou ficando mais forte. 

Mais resistente a esses momentos: eles vem, me quebram, mas consigo me recuperar mais rápido. 

Talvez essa recuperação se dê pela minha absurda vontade de viver e ser feliz. Essa minha necessidade de ver a água passar por baixo da ponte e empurrar o ontem pra longe buscando o amanhã. 

Talvez se dê pela minha gratidão, esse sentimento imenso que transborda de mim por tudo que minha vida é, por tudo que vivi, por tudo que tive e tenho, por todas as oportunidades que tive, por tudo que ainda posso ser. 

Talvez essa minha recuperação seja um reflexo do que ele era e do que nós éramos - eu provei o céu e eu quero mais. 

Eu não sei.

Minha psicóloga disse certa feita: "ele era tudo isso e amou você. Você não pode ser muito diferente." 

Eu não sei. Sei que pensar nele me impulsiona, pensar em como ele era, o que ele faria se estivesse no meu lugar, e, contrariando minhas expectativas eu tô de pé, como ele estaria. Eu tô seguindo, eu tô fazendo, eu tô sonhando. 

Não imaginava que conseguiria voltar a trabalhar como antes e cá estou. Imaginei que seria impossível ter novos sonhos e já tenho novas metas. Achei que minha casa nunca mais seria um lar, e ela continua sendo aconchego e proteção. Imaginei que eu e minha filha nos perderíamos em nossas dores e hoje gargalhamos juntas olhando pro futuro. 

Eu não sei como tudo isso tá acontecendo, eu só sei que está acontecendo. 

Ele é presença constante em nossos dias, faz falta o tempo todo. É como uma ferida que não tem cura e com a qual você se acostuma a conviver. E acho que estamos nos acostumando e conseguindo nos reconstruir mesmo com tudo isso, sem acreditar ou aceitar limites, sem acreditar ou aceitar a dor intransponível, sem acreditar ou aceitar as pedras no caminho. 

Como ele faria.

Comentários

Mais Vistas

Desabafo... querido diário

Tá todo mundo me perguntando se eu tô bem hoje. E, no automático, eu respondo: tô bem. Bem… rsrs… o que é estar bem de verdade? Porque a sensação que eu tenho é que ninguém nunca está bem. A gente se acostuma com as pancadas da vida, com as inconstâncias da vida. A vida te dá e também te rouba, a vida faz florescer e morrer. E a gente se acostuma com esse movimento. Se isso for estar bem, compreender o vai e vem, eu tô bem. Não sei dizer se aprendi a lidar com a saudade. Não sei dizer se me acostumei ou se efetivamente cresci ao redor dela. Sinto que, nos últimos 30 dias, não faço nada além de sentir. Sentir profundamente a perda, sentir e lembrar. Até nisso você deu um jeito de ser intenso, não é? Me deixou 30 dias para lembrar e sofrer tudo de uma vez. Bom que consigo ser mais produtiva ao longo do ano… hahahaha… você entenderia essa piada. Dizem que a vida é nascer, casar e morrer … Em 30 dias, eu revivo esse ciclo inteiro, com as festas de final de ano no meio e toda a ausência qu...

Ficar (2024)

Obrigada por escolher ficar Mesmo depois de invadir meu íntimo, E com coragem olhar meus olhos, Mesmo quando eles mostram o caos. Obrigada por ficar, Quando o meu pior se revela, E as falhas se erguem sem disfarce, Sem máscaras, sem filtros. Escolher ficar, É um ato de entrega, É um presente raro, É amor sem amarras. Sou intensa, eu sei, E talvez o meu ritmo seja alto, Talvez meu caos assuste, Obrigada por não tentar me conter. Me colocaram em caixas, Tentaram me limitar, Mas eu luto contra essas paredes, Grito que não posso me encaixar.  Obrigada por me escolher e me enxergar.   Mesmo sabendo a verdade: Que muitas vezes nem eu mesma fico. Nem eu conheço meus abismos, E nem sempre consigo ser minha própria escolha... E, no fundo, O que eu busco É alguém que veja o meu tudo E diga: "Eu fico." Então, obrigada por me olhar, Encarar meus lados sombrios, Me conhecer, E escolher ficar.

Como continuar quando o tempo congela para quem amamos?

É estranho como o corpo sente antes da mente entender. Acordei no meio da madrugada, gripada, exausta, e antes mesmo de abrir os olhos, meu instinto me fez buscar o Rafael ao meu lado. O espaço vazio na cama pareceu mais frio do que nunca, mas como se entendesse o que eu precisava, meu gato se aproximou, silencioso, e encostou o rostinho na minha mão. Animais são anjos – e às vezes, eles sabem coisas que nem nós conseguimos processar. Talvez seja isso: meu corpo sabe que meu aniversário está chegando. Meu terceiro sem ele. O terceiro para mim, mas o quarto para todos os outros que o amavam. A mãe dele foi a primeira a sentir esse vazio, eu fui a última. A primeira e a última mulher da vida dele. É quase poético, se não fosse tão cruel. E tem mais. Ele sempre falou sobre os 40. Sonhava com essa idade, fazia planos, imaginava como seria. E agora sou eu que chego lá. Eu sigo, enquanto ele ficou para sempre nos 39. O tempo continuou, mas para ele, congelou. Como se eu tivesse ultrapassado ...